Os tribunais eclesiásticos e as sanções na Igreja em processo penal
Os tribunais eclesiásticos e as sanções na Igreja em processo penal
1. Tribunais eclesiásticos
Actualmente, em cada Diocese a Igreja tem um Tribunal Eclesiástico a que preside o Bispo por direito próprio, nomeando em seu lugar um Vigário Judicial.
O Tribunal é colegial e integram-no um elenco de juízes, um Promotor de Justiça e, para os casos matrimoniais, o Defensor do Vínculo que tem a missão de defender a validade do matrimónio. Há, ainda, os Notários e os Advogados das partes e Procuradores. O Notário ou Actuário redige as actas e autentica todos os documentos.
Existe um Tribunal de 2.ª Instância, ou seja, o da Província Eclesiástica (várias Dioceses). Em Portugal são três: Braga, Lisboa e Évora.
Há um Tribunal de 3.ª Instância (Roma) a que se chama Tribunal da Rota, que é um Tribunal ordinário de apelação cujos juízes são nomeados pelo Papa.
Finalmente, há o Tribunal Supremo que se chama Signatura Apostólica constituído por 12 cardeais.
Para o foro interno, há na Cúria Romana a Penitenciaria Apostólica(Poenitentiaria Apostolica). Concede as absolvições, as dispensas, as comutações, as sanções, as remissões e outras graças. Também lhe é atribuído tudo o que concerne à concessão e uso das indulgências.
A Igreja julga por direito próprio todas as matérias que se referem a coisas espirituais e afins e a violação das leis eclesiásticas. Na prática as causas mais habituais são: processo de nulidade de matrimónio, beatificação e canonização dos santos, dispensa de ordens sagradas, sendo a principal regra da Igreja “a salvação das almas”. (vide cânone 1752)
2. Das sanções na Igreja em processo penal
Quando o Ordinário (Bispo Diocesano) tiver notícia, ao menos verosímil, de um delito, inquira cautelosamente, por si mesmo ou por meio de pessoa idónea, sobre os factos e circunstâncias e acerca da imputabilidade, a não ser que tal inquirição pareça de todo supérflua. Evite-se que, com esta investigação, se ponha em causa o bom nome de alguém. Quem fizer a investigação, tem os mesmos poderes e obrigações que o autor do processo, e também, se depois se promover o processo judicial, não pode nele exercer o ofício de juiz. (vide cânone 1717)
Se o Ordinário tiver julgado que se há-de proceder por decreto extrajudicial: 1.º dê a conhecer ao réu a acusação e as provas, concedendo-lhe a faculdade de se defender; 2.º pondere cuidadosamente com dois assessores as provas e os argumentos; 3.º se constar com certeza do delito e a acção criminal não estiver extinta, lavre um decreto, expondo, ao menos brevemente, as razões de direito e de facto.
Se o Ordinário decidir que se há-de instaurar o processo penal judicial, entregue as actas da investigação ao promotor da justiça, que apresentará ao juiz o libelo de acusação.
Para evitar escândalos, defender a liberdade das testemunhas e garantir o curso da justiça, o Ordinário, ouvido o promotor da justiça e citado o próprio acusado, em qualquer fase do processo, pode afastar o acusado do ministério sagrado ou de qualquer ofício ou cargo eclesiástico, e impor-lhe ou proibir-lhe a participação pública na santíssima Eucaristia. (vide cânones 1720 e 1721)
Na discussão da causa, quer se faça por escrito, quer oralmente, o acusado tem sempre direito a que ele ou o seu advogado ou procurador escreva ou fale em último lugar.
O acusado não está obrigado a confessar o delito, nem lhe pode ser deferido juramento. (vide cânones 1725 e 1728)
A parte lesada pode exercer no próprio juízo penal acção contenciosa para a reparação dos danos que lhe tenham sido provocados pelo delito. (vide cânone 1729)
De acordo com o cânone 1336, as penas expiatórias, que podem atingir o delinquente perpetuamente ou por tempo determinado ou indeterminado, além de outras que porventura a lei tiver estabelecido, são as seguintes: 1.º proibição ou preceito de residir em determinado lugar do território; 2.º privação do poder, ofício, cargo, direito, privilégio, faculdade, graça, título, insígnias, mesmo meramente honoríficas; 3.º proibição de exercer as coisas referidas no n.º 2, ou a proibição de as exercer em certo lugar ou fora de certo lugar; tais proibições nunca são sob pena de nulidade; 4.º transferência penal para outro ofício; 5.º demissão do estado clerical.
Nas penas a aplicar a um clérigo sempre se deve cuidar que ele não venha a carecer do necessário para a sua honesta sustentação, a não ser que se trate da demissão do estado clerical. No entanto, o Ordinário procure providenciar do melhor modo que for possível acerca daquele que foi demitido do estado clerical, e que em razão da pena, fique em verdadeira indigência. (vide cânone 1350)
De acordo com o cânone 1395, o clérigo que permanecer com escândalo ou outro pecado grave externo contra o sexto mandamento do Decálogo, seja punido com suspensão, e se perseverar no delito depois de admoestado, podem ser-lhe acrescentadas gradualmente outras penas até à demissão do estado clerical. O clérigo que, por outra forma delinquir contra o sexto mandamento do Decálogo, se o delito for perpetrado com violência ou ameaças ou publicamente ou com um menor de dezasseis anos, seja punido com penas justas, sem excluir, se o caso o requerer, a demissão do estado clerical.
Aurora Madaleno
(In: Jornal da Beira, Ano 94, N.º 4824, 9 Janeiro 2014, p. 13)